Criações

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A criação original do Visões Úteis no segundo semestre de 2023, marca o reencontro com Mafalda Banquart que, seis anos depois de integrar o elenco da peça “Velocidade de Escape”, se junta agora a Ana Vitorino e Carlos Costa já não só enquanto intérprete, mas como coautora. Um encontro que dá novo passo num trajeto caracterizado pela partilha de autorias e o desejo de confronto entre diversas disciplinas, metodologias, gerações e abordagens – de que são exemplos as mais recentes criações “TANG PING, um western moderno sobre não ser ninguém” (com Gemma Rodríguez) e “O Grande Museu da Consciência de Elon Musk” (com Jorge Palinhos e Miguel Mira).

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O primeiro documento de partilha criado entre nós data de 2020, e tem o título “Conversar Devagar”. Nessa altura tínhamos algumas referências soltas, mas a grande premissa era o nosso encontro. Um diálogo entre as nossas linguagens artísticas, éticas de criação e visões do mundo. Da conversa, precisamente, deveriam surgir e afunilar-se temas até um discurso comum, para o qual posteriormente encontraríamos uma concretização estética. Isto, imaginávamos nós, seguindo um modelo negocial em que íamos fazendo cedências, assumindo que as nossas diferenças nos obrigariam a isso.

Mas, por muito devagar que conversássemos, nunca afunilávamos nada, as nossas conversas apenas se iam desdobrando nas suas infinitas ramificações. E, quando às vezes parávamos para nos tentar situar, para perceber se naquelas possibilidades de caminho poderia haver alguma que valesse a pena seguir, acabávamos a falar do próprio desenrolar da conversa. Sobre o “como” e não sobre o “o quê”. Estávamos muito curiosos e interessados naquela direção cada vez mais dispersa das conversas, e por isso começámos a desconfiar que essa forma particular que tínhamos de conversar, esse “como”, podia constituir a nossa proposta. Porquê tentar disciplinar-nos, tentar travar aquele fluxo, que, mesmo desordenado, ia encontrando simultaneidades e sincronias, em certos temas gerais - como a ecologia, a arte, a política -  e deparava com a procura transversal de empatia - entre seres, tempos, dimensões - e a crença na metamorfose como única certeza universal possível?

Foi a escuta desse fluxo que nos apontou a direção: trabalhar num dispositivo que se pudesse construir a partir do desenrolar, do desdobrar, do “unravel” daquele conversar, num modelo alternativo de apreensão, experiência, exposição e articulação de conteúdos e temas. Criando um espaço cénico a que nos habituámos a chamar “atelier mental”, orientámos todas as dimensões do espetáculo em função deste deambular: a escrita dos textos, os percursos que o público faria connosco, as proporções e posicionamento dos elementos cenográficos, como se encenássemos o encontro de vários fluxos de consciência. E essa encenação é um curto-circuito entre a materialidade e a abstração, plasmado nesta multiplicidade de sentidos da palavra deambular, uma proposta de justaposição entre o tocar o pensar.


E, ao potenciar o nosso modo errático de conversar em vez de o recusar, não esperávamos estar também a chegar a formas surpreendentes de encontro, em que a perspetiva individual de cada um e o que é comum se vão entrelaçando, através da intersecção dos nossos fluxos de consciência. Não esperávamos que tivesse sido o espanto e o entusiasmo pelas deambulações e interesses uns dos outros que nos iriam fazer avançar para lá das nossas supostas diferenças e criar o tal diálogo, assim cumprindo a nossa primeira premissa. E, mais uma vez, esse espanto e esse entusiasmo, mas também o respeito, o cuidado e a confiança que experimentámos entre nós ao longo destes anos, tornaram-se princípios dramatúrgicos, de construção das cenas e também de relação com o público. Ao compreendermos a sua importância no modo como chegámos à construção coletiva apesar da heterogeneidade das nossas visões e identidades, quisemos experimentá-los e aplicá-los ao “estar em conjunto” que faz parte do ver e fazer teatro. Antecipámos e especulámos muito acerca de formas de encaminhar o público, decidindo tomar o risco da confiança e abdicar de sistemas mais normativos de controlo. São a confiança e o cuidado que estão na base do desenho e encontro dos nossos percursos ao longo do espetáculo, na fragilidade dos materiais manipulados tanto por nós como pelo público. E são o espanto e o entusiasmo que vão determinando cada paragem, a relação com o que nos vai rodeando e aparecendo no caminho, aquilo acerca do qual vamos sugerindo reflexões.

criação e interpretação Ana Vitorino, Carlos Costa, Mafalda Banquart cenografia, figurinos, adereços Maria Manada banda sonora original, sonoplastia, desenho de som Vasco Zentzua vídeo, design gráfico Sara Allen desenho de luz Pedro Correia coordenação de produção Alice Prata assessoria de comunicação Raquel Batista contabilidade Helena Madeira produção Visões Úteis em coprodução com Teatro Municipal do Porto e Teatro Académico de Gil Vicente

O Visões Úteis é uma estrutura financiada pela Direcção Geral das Artes do Ministério da Cultura.