Criações

Cidades de Bronze

"Cidades de Bronze" é a nova criação do Visões Úteis para o espaço público da cidade do Porto. Com estreia prevista para maio de 2023, na Praça da República, tem direção de Carlos Costa e Jorge Palinhos - que repetem um modelo de colaboração já experimentado em 2022 com "O Grande Museu da Consciência de Elon Musk".

As estátuas foram sempre divinizações na pedra. Começaram por homenagear divindades, faraós e heróis. A cultura grega clássica fez-se e desfez-se em torno de estátuas, aliás foi a primeira cultura que conhecemos que fez estátuas a seres humanos reais, em memória pelo seu gesto de assassinarem déspotas e não por admiração à sua natureza humana. E entrou em decadência quando Atenas decidiu expulsar o general Alcibíades por este ter alegadamente profanado estátuas, apesar de tal decisão ter custado à cidade a derrota na Guerra do Peloponeso.

As estátuas que nos rodeiam hoje no espaço público já não são estátuas de deuses, mas estátuas de figuras históricas, maioritariamente erguidas entre finais do século XIX e meados do século XX, com o objetivo de homenagear os heróis humanos de cada nação. Estas estátuas não pretendiam celebrar os indivíduos pela sua bondade ou perfeição, mas antes saudar os valores que estas personagens supostamente encarnavam: os valores dos estados-nação então emergentes na Europa, ligados ao nacionalismo, colonialismo, imperialismo e intelectualidade engajada politicamente. 

Estas estátuas foram habitando entre nós, sem grandes questionamentos até aos nossos dias - afinal, e nas palavras de Robert Musil, não há nada tão invisível como um monumento. Mas entretanto, as sociedades crescentemente multiculturais descobriram que algumas das  imagens já não eram consensuais para a diversidade da sua população, ou porque os movimentos ecológicos questionavam as homenagens a empresários exploradores de recursos, ou porque o ativismo patriótico do passado era visto como suspeito pelos ativistas globalistas do presente; e estes são apenas dois exemplos entre muitos outros.

Estas questões revelam de forma indireta as transformações sociais do próprio presente, em que indivíduos e sociedades já não se sentem vinculados a um estado-nação, mas são definidos por múltiplas sensibilidades, múltiplas identidades e múltiplas reivindicações de grupos que procuram legitimidade social. E isto levanta a questão de quais os valores comuns de uma sociedade de hoje. Se a unidade do estado-nação se fragmenta em múltiplas identidades, se a continuidade do espaço público se desdobra no espaço público online, como lidar com este legado que é hoje questionado, e que novos ícones é possível encontrar para as comunidades do futuro?

Para a concretização desta nossa "Cidade de Bronze", e numa colaboração próxima com a Câmara Municipal do Porto, pretende-se envolver uma estátua ["República'', de Bruno Marques, no Jardim de Teófilo Braga, Praça da República] num dispositivo cénico, dentro da qual decorrerão atividades que promovam o confronto do público com o passado, incentivando a projeção do futuro.

A intervenção pretende fomentar o pensamento crítico sobre as estátuas, nos seus aspetos culturais, históricos, simbólicos e estéticos, mas também sobre a relação afetiva e cognitiva que os espectadores estabelecem com elas, entre a familiaridade, a indiferença e o desconhecimento.

texto e direção Carlos Costa e Jorge Palinhos cenografia, figurinos e adereços Inês de Carvalho direção musical João Martins design gráfico Sara Allen interpretação Matilde Cancelliere e Sofia Santos Silva assessoria artística e de comunicação Carlota Castro coordenação de produção Alice Prata contabilidade Helena Madeira produção Visões Úteis (2023)